6 de out. de 2012

Perfis de Mulher: Clarice Lispector


Uma das autoras brasilerias com maior número de citações circulando pela Internet, Clarice Lispector é também uma das mulheres brasileiras mais respeitadas no exterior.
Nascida num vilarejo da Ucrânia em 1920, Clarice chegou ao Brasil ainda criança. Durante a guerra civil que se seguiu após a Revolução Russa de 1917, várias famílias judias foram perseguidas, e a de Calrice era uma delas. Já em terras brasileiras a maioria dos membros aportuguesou os nomes (o nome de batismo de Clarice era Chaya) e se instalou em Maceió, mudando para Recife três anos depois. Na capital pernambucana a mãe de Clarice veio a falecer quando ela tinha apenas nove anos, deixando na filha um forte sentimento de culpa e impotência frente à doença da mãe, sífilis, supostamente contraída após um estupro durante a guerra.
Aos 15 anos ela veio com a família para o Rio de Janeiro e, aos 17, entrou na faculdade de Direito. O curso não atingiu suas expectativas e Clarice passou a escrever para distrair-se. Em 1940, no mesmo ano da morte do pai após complicações em uma cirurgia simples, ela teve sua primeira história publicada em uma revista. Ao ver-se órfã, passou a trabalhar para sustentar-se, primeiro na Agência Nacional de imprensa, depois no jornal A Noite.
Em 1943, já com cidadania brasileira e casada com um colega da faculdade, Clarice publicou seu primeiro livro, sucesso imediato de crítica: “Perto do coração selvagem”. Pela primeira vez no Brasil um romance era apresentado através do fluxo de consciência do protagonista, deixando de lado algumas convenções na escrita. No ano seguinte à publicação, Clarice e o marido, Maury Gurgel Valente, foram morar na Europa, onde ela inclusive trabalhou como enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial.
Já em tempos mais calmos, Clarice escreveu “A Cidade Sitiada” na Suíça, mesmo país em que nasceu seu filho Pedro, que mais tarde seria diagnosticado esquizofrênico. Os tempos no país dos Alpes não foram só de alegria, uma vez que a escritora expressou seu tédio e tristeza da vida naquela época. Além disso, “A Cidade Sitiada” não foi tão bem recebida quanto o primeiro livro ou mesmo o segundo, “O Lustre”, publicado três anos antes.
Depois de mais algumas viagens e um aborto sofrido durante uma visita a Londres, Clarice e a família ficaram no Rio por um ano, quando ela publicou uma série de contos que serviria de base para seu livro “Laços de Família” e também escreveu para a revista Comício sob o pseudônimo Teresa Quadros. Depois ela ficou sete anos nos Estados Unidos, onde nasceu seu segundo filho, Paulo. Neste período não publicou nenhum livro.
Os contatos de Clarice ao longo da vida foram importantes para sua carreira e seu desenvolvimento como escritora. Do poeta e novelista Lúcio Cardoso, homossexual por quem ela se apaixonou na juventude, resultou uma amizade duradoura. Enquanto esteve nos Estados Unidos, conviveu com o também famoso escritor Érico Veríssimo e a esposa do embaixador brasilerio, filha do ex-presidente Getúlio Vargas.
Suas obras mais celebradas seriam escritas com seu retorno definitivo ao Rio, deixando o marido nos EUA. As coletâneas de contos “Laços de Família” e “Legião Estrangeira” foram lançadas ainda na década de 1960. Em 1968 Clarice participou de uma manifestação contra o enrijecimento da repressão instituída pela ditadura militar.
As obras-primas viriam nos anos finais: “Água Viva”, romance filosófico que, segundo amigos, foi o que Clarice ficou mais insegura quanto à publicação, e “A Hora da Estrela”, com sua problemática social. Reza a lenda que o cantor Cazuza gostava tanto de “Água Viva” que leu o livro 111 vezes. Em 1973 Clarice tinha sido demitida do Jornal do Brasil, juntamente com todos os judeus que lá trabalhavam. Ela escrevia colunas para o público feminino do jornal e, vendo-se desempregada, passou a fazer traduções de livros. Era fluente em inglês francês e iídiche. Além disso, também escreveu cinco livros infantis, sendo dois de publicação póstuma.
Em 1966, ela sofreu um grave acidente ao tomar pílulas para dormir e cair no sono com um cigarro aceso que incendiou sua cama. Sua mão direita quase foi amputada e a escritora passou dois meses internada. Voltaria ao hospital em 1977, pouco depois da publicação de “A Hora da Estrela”. Ela tinha um câncer inoperável no ovário e mesmo assim continuou ditando suas ideias para uma amiga. Faleceu na véspera de seu aniversário de 57 anos.
Na juventude, foi considerada uma mulher tão bela quanto Marlene Dietrich e que escrevia tão bem quanto Virginia Woolf. Celebrada no mundo todo pela inovação de seus escritos, Clarice nasceu na Ucrânia, mas sempre se considerou brasileira. Assunto de tantas teses e debates, além de livros e biografias estrangeiras, Clarice pode ganhar sua própria cinebiografia e ser interpretada por Meryl Streep. 

“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Clarice Lispector (1920-1977)

3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, aliás pelos textos. Acesso seu blog diariamente e me delicio com tantas palavras bem colocadas. Forte abraço

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  2. Algumas coisas eu nem fazia ideia que tivesse acontecido com ela, Le!

    Adoro Clarice... uma mulher de espírito evoluído. Pessoa forte e de personalidade que vivem além de seu tempo!!!

    bjks

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  3. Lê,
    texto magnífico da nossa eterna Diva das Palavras e Atitudes: Clarice! bjs

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