Uma das autoras
brasilerias com maior número de citações circulando pela Internet, Clarice
Lispector é também uma das mulheres brasileiras mais respeitadas no exterior.
Nascida num
vilarejo da Ucrânia em 1920, Clarice chegou ao Brasil ainda criança. Durante a
guerra civil que se seguiu após a Revolução Russa de 1917, várias famílias
judias foram perseguidas, e a de Calrice era uma delas. Já em terras
brasileiras a maioria dos membros aportuguesou os nomes (o nome de batismo de
Clarice era Chaya) e se instalou em Maceió, mudando para Recife três anos
depois. Na capital pernambucana a mãe de Clarice veio a falecer quando ela
tinha apenas nove anos, deixando na filha um forte sentimento de culpa e
impotência frente à doença da mãe, sífilis, supostamente contraída após um
estupro durante a guerra.
Aos 15 anos ela
veio com a família para o Rio de Janeiro e, aos 17, entrou na faculdade de
Direito. O curso não atingiu suas expectativas e Clarice passou a escrever para
distrair-se. Em 1940, no mesmo ano da morte do pai após complicações em uma
cirurgia simples, ela teve sua primeira história publicada em uma revista. Ao
ver-se órfã, passou a trabalhar para sustentar-se, primeiro na Agência Nacional
de imprensa, depois no jornal A Noite.
Em 1943, já com
cidadania brasileira e casada com um colega da faculdade, Clarice publicou seu
primeiro livro, sucesso imediato de crítica: “Perto do coração selvagem”. Pela
primeira vez no Brasil um romance era apresentado através do fluxo de
consciência do protagonista, deixando de lado algumas convenções na escrita. No
ano seguinte à publicação, Clarice e o marido, Maury Gurgel Valente, foram
morar na Europa, onde ela inclusive trabalhou como enfermeira durante a Segunda
Guerra Mundial.
Já em tempos
mais calmos, Clarice escreveu “A Cidade Sitiada” na Suíça, mesmo país em que
nasceu seu filho Pedro, que mais tarde seria diagnosticado esquizofrênico. Os
tempos no país dos Alpes não foram só de alegria, uma vez que a escritora
expressou seu tédio e tristeza da vida naquela época. Além disso, “A Cidade
Sitiada” não foi tão bem recebida quanto o primeiro livro ou mesmo o segundo,
“O Lustre”, publicado três anos antes.
Depois de mais
algumas viagens e um aborto sofrido durante uma visita a Londres, Clarice e a
família ficaram no Rio por um ano, quando ela publicou uma série de contos que
serviria de base para seu livro “Laços de Família” e também escreveu para a
revista Comício sob o pseudônimo Teresa Quadros. Depois ela ficou sete anos nos
Estados Unidos, onde nasceu seu segundo filho, Paulo. Neste período não
publicou nenhum livro.
Os contatos de
Clarice ao longo da vida foram importantes para sua carreira e seu
desenvolvimento como escritora. Do poeta e novelista Lúcio Cardoso, homossexual
por quem ela se apaixonou na juventude, resultou uma amizade duradoura.
Enquanto esteve nos Estados Unidos, conviveu com o também famoso escritor Érico
Veríssimo e a esposa do embaixador brasilerio, filha do ex-presidente Getúlio
Vargas.
Suas obras mais
celebradas seriam escritas com seu retorno definitivo ao Rio, deixando o marido
nos EUA. As coletâneas de contos “Laços de Família” e “Legião Estrangeira”
foram lançadas ainda na década de 1960. Em 1968 Clarice participou de uma
manifestação contra o enrijecimento da repressão instituída pela ditadura
militar.
As obras-primas
viriam nos anos finais: “Água Viva”, romance filosófico que, segundo amigos,
foi o que Clarice ficou mais insegura quanto à publicação, e “A Hora da Estrela”,
com sua problemática social. Reza a lenda que o cantor Cazuza gostava tanto de “Água
Viva” que leu o livro 111 vezes. Em 1973 Clarice tinha sido demitida do Jornal
do Brasil, juntamente com todos os judeus que lá trabalhavam. Ela escrevia
colunas para o público feminino do jornal e, vendo-se desempregada, passou a
fazer traduções de livros. Era fluente em inglês francês e iídiche. Além disso,
também escreveu cinco livros infantis, sendo dois de publicação póstuma.
Em 1966, ela
sofreu um grave acidente ao tomar pílulas para dormir e cair no sono com um
cigarro aceso que incendiou sua cama. Sua mão direita quase foi amputada e a
escritora passou dois meses internada. Voltaria ao hospital em 1977, pouco
depois da publicação de “A Hora da Estrela”. Ela tinha um câncer inoperável no
ovário e mesmo assim continuou ditando suas ideias para uma amiga. Faleceu na véspera
de seu aniversário de 57 anos.
Na juventude,
foi considerada uma mulher tão bela quanto Marlene Dietrich e que escrevia tão
bem quanto Virginia Woolf. Celebrada no mundo todo pela inovação de seus
escritos, Clarice nasceu na Ucrânia, mas sempre se considerou brasileira. Assunto de tantas teses e debates, além de livros e biografias estrangeiras, Clarice pode ganhar sua própria cinebiografia e ser interpretada por Meryl Streep.
“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe
no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver
ultrapassa qualquer entendimento.”
Clarice Lispector (1920-1977)
Parabéns pelo texto, aliás pelos textos. Acesso seu blog diariamente e me delicio com tantas palavras bem colocadas. Forte abraço
ResponderExcluirAlgumas coisas eu nem fazia ideia que tivesse acontecido com ela, Le!
ResponderExcluirAdoro Clarice... uma mulher de espírito evoluído. Pessoa forte e de personalidade que vivem além de seu tempo!!!
bjks
Lê,
ResponderExcluirtexto magnífico da nossa eterna Diva das Palavras e Atitudes: Clarice! bjs