15 de fev. de 2013

A Identidade de Milan Kundera

Lançado em 1997. Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo. Companhia das Letras, 2009.

Meu primeiro contato com a obra do escritor tcheco Milan Kundera foi através do já clássico A Insustentável Leveza do Ser, livro que causou um impacto enorme em minha percepção sobre aquilo que sou e principalmente sobre a maneira com a qual lido com meus sentimentos, desde que o li pela primeira vez, há cerca de um ano, tenho percebido reflexos do que foi dito pelo autor em quase todas as áreas de minha vida. Nenhuma outra obra literária provocou em mim reações tão intensas e marcantes. Como valorizo autores capazes de me proporcionar tal tipo de imersão, fui logo em busca de outros escritos de Kundera e foi assim que cheguei até A Identidade, obra não tão grandiosa, mas tão bela e profunda quanto a primeira que li.

Em A Identidade, que foi escrito em 1997, podem ser percebidos diversos elementos que estão presentes também em A Insustentável Leveza do Ser, dentre eles as reflexões acerca da sexualidade, a dor existencial e o estudo minucioso do comportamento humano, realizado através da construção psicológica de cada um dos personagens. Pela maneira cuidadosa com que apresenta e desenvolve cada um deles, Kundera, de uma forma poética e cheia de sensibilidade, nos leva à identificação com alguns de seus pensamentos e atitudes e à medida em que ele ensaia reflexões sobre a história contada, somos instigados a refletir sobre a nossa própria condição.

Na história contada, Chantal é uma publicitária de meia idade que começa a viver uma crise ao perceber que não é mais desejada pelos homens como fora um dia, à princípio ela não quer se envolver com nenhum dos estranhos, cujos olhares cobiça, o que ela deseja é sentir-se ainda capaz de acender a libido dos desconhecidos, como se a atenção devotada por eles fosse uma espécie de confirmação de que ela ainda não perdeu aquilo que acredita ser a sua essência, sua identidade.


Quando já estava tomada pela melancolia, Chantal começa a receber cartas anônimas de um admirador que conhece sua rotina e acompanha seus passos, estas correspondências reascendem nela o amor próprio e um tesão que há muito ela não sentia. Curiosamente, o assédio do desconhecido dá um novo gás para o relacionamento de Chantal com Jean-Marc, seu segundo marido. Este já vinha percebendo há algum tempo a dor que ela dissimulava, porém sem saber o que fazer para ajudá-la. Ele sabia que todo seu amor e carinho já não eram o suficiente para ela.

No decorrer da história, uma atitude bem intencionada, quase inocente, desencadeia uma série de acontecimentos que atenua a dor existencial sentida por Chantal, levando-a a profundas reflexões sobre a sexualidade e a natureza do amor. Ela então se vê dividida entre a rotina segura e tranquila que leva ao lado de seu esposo e uma vida de aventuras sexuais com estranhos capazes de satisfazer sua maior necessidade, a de se reencontrar com uma parte de si mesma que já não mais existia. Esta dicotomia conduz a personagem à um tormento psicológico, durante o qual sua noção de realidade se torna cada vez mais fragilizada.

A Identidade consegue, em suas poucas páginas, transcender a história que conta, se tornando desta forma muito mais que um romance. Não seria exagero afirmar que ele, assim como A Insustentável Leveza do Ser, é também um livro filosófico, nele as ponderações de Kundera sobre o a identidade que buscamos adquirem tanta consistência que chegam bem próximo de constituir um ensaio sobre a limitação e a submissão do individuo frente aos inúmeros olhares alheios que estão direcionados ou não para ele, ora punindo, cobrando-o, cobiçando-o, ou tão somente ignorando-o, forjando assim frágeis identidades que nem sempre condizem com o real...

A literatura de Milan Kundera é essencial justamente por desbravar trilhas obscuras do comportamento humano, onde a complexidade de sentimentos e ações não são reduzidas a meros estereótipos, ao mergulharmos em seus escritos nos deparamos não com um mundo romantizado, mas com um espelho de nossas próprias vidas, que nos dá a oportunidade de olharmos, ainda que à distância, para dentro de nós mesmos...


Escrito por José Bruno Ap Silva, autor do excelente blog Sublime Irrealidade.

5 comentários:

  1. Primeiro, gostaria de agradecer que tenha aceitado o convite de vir postar aqui no AQO! Fiquei contente por demais e seu post não poderia ter sido mais proveitoso... Devo confessar que não conhecia esta obra de Kundera - culpa minha exclusiva, já que nunca tirei tempo para pesquisar seus outros trabalhos além da Insustentável Leveza do Ser. Fiquei fascinada com as possibilidades dimensionais da personagem Chantal... Já vai para a minha lista de leituras!

    ;D

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  2. José Bruninho... nem preciso dizer que eu super amei vc ter sido o primeiro das Antes que ordinárias(eu e minhas frases que pegam mal... mas, eu tô nem aí hahahaahahahahaah). Vc acertou em cheio... trouxe Milan Kundera para esse lugar e deixou tudo ainda mais lindo. Pensar que nos conhecemos, no facebook, justamente num papo sobre um livro desse danado, heim??? A insustentável leveza do ser... falávamos do filme e livro... MAravilhosamente maravilhoso!!! E compramos no mesmo dia, quase mesma hora... e assim nasceu essa amizade que eu considero demais. E, pra completar ainda mais, vc me deu de presente este livro que acaba de comentar aqui... preciso dizer mais???? Te adoroooo, meu querido!!!

    beijoquinhas mil...

    JoicySorciere => CLIQUE => Blog Umas e outras...

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  3. Obrigado queridas, fico feliz que você tenham gostado do texto, terminei a leitura do livro durante o carnaval, na hora certa e foi um prazer ter participado do "Antes que Ordinárias", ainda mais com uma resenha de uma obra do Kundera!

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  4. Brunão,
    Meu amigo virtual que tem paciência em ler minhas angustias(in box) Adorei ler você em nosso Blog.
    Quando às meninas citaram que teríamos convidados ..O primeiro nome que veio a mente foi: Brunão.
    Adorei a resenha e sou fã do Kundera. Acertou 100% na escolha e o fez com maestria sua *nossa* primeira vez!

    Besos

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  5. Muito bacana ver o José Bruno escrevendo não apenas sobre cinema, mas também sobre literatura! E deu um show ao escolher um escritor como Milan Kundera para ser o tema do texto.

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